O artigo visa a elaboração conceitual de uma psicoterapia individual, realizada por videoconferência e baseado nos princípios da psicanálise, que tem como objetivo atender pessoas que se comunicam na língua portuguesa.
Primeiro eu vou abordar o motivo que me moveu para realizar uma Psicoterapia Individual por Videoconferência (PIV). Este meu estudo, visa a elaboração conceitual de uma psicoterapia individual, realizada por videoconferência e baseado nos princípios da psicanálise, que tem como objetivo atender pessoas que se comunicam na língua portuguesa.
A psicologia na qual eu atuo, se utiliza do modelo psicanalítico, que ocorre através do atendimento individual por videoconferência. Percebi que a psicologia bem como a psicanálise, vêm procurando alternativas para dar respostas de maneira eficiente aos novos tempos cibernéticos, atendendo assim, a real necessidade das pessoas que procuram uma psicoterapia por videoconferência no idioma português.
A Psicoterapia Individual por Videoconferência, tem semelhança com o atendimento presencial, talvez por estar relacionada entre(psicólogo e paciente), “face a face”, numa banda larga onde seja possível a visualização e comunicação entre ambos. Acredito que seja fundamental este trabalho, porque ele procura desenvolver na era de Cyberterapia ou Siteterapia, uma ajuda para aquela pessoa que tem como idioma, o Português e que reside no País ou no exterior. Assim, a pessoa transmite as suas emoções no seu próprio idioma (português).
A pergunta é: Pode existir transferência por videoconferência? Então, partindo dessa questão, foi que eu elaborei um texto sobre a transferência, na qual eu vou expor.
Partindo do princípio que a transferência segundo Freud (Conferências Introdutórias XXVII), se dava nos afetos do paciente para com seu terapeuta dentro do enquadre analítico, podendo ser ele positivo (quando esses afetos vinham de forma amigável) e negativo (quando os mesmos vinham de forma agressiva).
Para Freud, a transferência positiva era o sinal de que a análise estava começando, ou seja, havia uma confiança por parte do analisando ao seu analista e que o processo terapêutico estava em andamento, pois o analisando depositava confiança e que poderia, conforme o acordo inicial de que deveria dizer tudo que lhe viesse a mente. Isso era possível, porque a figura do analista vinha como de alguém que tinha um conhecimento técnico e uma capacidade de entendimento além do analisando e que com isso poderia ouvir e interpretar todo o material oferecido dentro da análise como relatos de memórias passadas (infância), interpretação dos sonhos e atos falhos no decorrer de cada sessão.
Porém, ainda dentro da transferência positiva, havia um problema com relação aos afetos primitivos do analisando, que estavam relacionados as figuras materna e paterna que era o, amor. Amor esse, que era transferido ao analista de forma a desejá-lo muitas vezes em âmbito sexual.
Para Freud, esse era o momento ideal de se utilizar dessa ferramenta para trazer ao consciente do paciente os seus sentimentos mais profundos, porém isso demandava um grande esforço e cuidados com esses elementos, pois para o paciente, aquilo que ele sentia e estava ocorrendo na sessão, se tratava de amor e paixão pelo seu analista. Freud, sabia lhe dar muito bem com esses impulsos e calmamente, tentava explicar as suas pacientes que, aquilo se tratava de uma transferência de afetos, e que eram oriundos de acontecimentos passados na infância. E com isso dava-se inicio as primeiras interpretações psicanalíticas à paciente.
Em geral quase toda análise se inicia com uma transferência positiva, que não necessariamente, culmine em declarações de amor como ocorriam com as histéricas de Freud, na maioria das vezes elas se fazem apenas no ato de confiança e cumprimento do acordo inicial entre analisando/analista, e que com o decorrer das sessões vão se aprofundando. Freud diz:
“…Devo começar por esclarecer que uma transferência está presente no paciente desde o começo do tratamento e, por algum tempo, é o mais poderoso móvel de seu progresso. Dela não vemos indício algum, e com ela não temos por que nos preocupar enquanto age a favor do trabalho conjunto da análise…”
Já no que se refere a transferência negativa, suas observações nos revelam que esse tipo de transferência surge através das resistências e negações nas interpretações do analista dos elementos apresentados pelo analisando. Freud diz:
“…Se, porém, se transforma em resistência, devemos voltar-lhe nossa atenção e reconhecemos que ela modifica sua relação para com o tratamento sob duas condições diferentes e contrárias: primeira, se na forma de inclinação amorosa ela se torna tão intensa e revela sinais de sua origem em uma necessidade sexual de modo tão claro, que inevitavelmente provoca uma oposição interna a ela mesma; e, segundo, se consiste em impulsos hostis em vez de afetuosos…”
Esses sentimentos hostis que surgem com a transferência negativa, podem favorecer a análise para interpretações de material recalcado e que muita das vezes são a queixa principal do analisando quando esse chega ao consultório em busca de solução para seus sintomas. Porém em alguns analisados, como os acometidos de neurose narcísica e alguns tipos de psicose, a transferência negativa pode ser sinal de fim da análise, pois para esse grupo algumas interpretações podem ser entendidas como uma forma de agressão por parte do analista e que devemos estar atentos quando isso acontecer e evitar o fim da análise de forma precoce.
As abordagens nesses casos devem ser feitas em concordância com esse grupo que não possui uma capacidade de entendimento, pois muita das vezes não conseguem aceitar a causa de seus sintomas. Freud diz:
“…Os sentimentos hostis revelam-se, via de regra, mais tarde do que os sentimentos afetuosos, e se ocultam atrás destes; sua presença simultânea apresenta um bom quadro da ambivalência emocional [pág. 426-8] dominante na maioria de nossas relações íntimas com outras pessoas. Os sentimentos hostis indicam, tal qual os afetuosos, haver um vínculo afetivo, da mesma forma como o desafio, tanto como a obediência, significa dependência, embora tendo à sua frente um sinal ‘menos’ em lugar de ‘mais’. Não podemos ter dúvidas de que os sentimentos hostis para com o médico merecem ser chamados de ‘transferência’, pois a situação, no tratamento, com muita razão não proporciona qualquer fundamento para sua origem; essa inevitável visão da transferência negativa nos assegura, portanto, que não estivemos equivocados em nosso julgamento acerca da transferência positiva ou afetuosa…”
Conclusão:
Freud diz: “…Esse novo fato que, portanto, admitimos com tanta relutância, conhecemos como transferência. Com isso queremos dizer uma transferência de sentimentos à pessoa do médico, de vez que não acreditamos poder a situação no tratamento justificar o desenvolvimento de tais sentimentos. Pelo contrário, suspeitamos que toda a presteza com que esses sentimentos se manifestam deriva de alguma outro lugar, que eles já estavam preparados no paciente e, com a oportunidade ensejada pelo tratamento analítico, são transferidos para a pessoa do médico. A transferência pode aparecer como uma apaixonada exigência de amor, ou sob formas mais moderadas; em lugar de um desejo de ser amada, um jovem pode deixar emergir um desejo, em relação a um homem, idoso, de ser recebida como filha predileta; o desejo libidinal pode estar atenuado num propósito de amizade inseparável, mas idealmente não-sensual. Algumas mulheres conseguem sublimar a transferência e moldá-la até que atinja essa espécie de viabilidade; outras hão de expressá-la em sua forma crua, original e, no geral, impossível. Mas, no fundo, é sempre a mesma, e jamais permite que haja equívoco quanto à sua origem na mesma fonte…”
A transferência, é condição principal para o bom desenvolvimento de uma análise, ela deve começar de forma positiva com o respeito e o cumprimento do acordo inicial e no decorrer da análise se apresentar de forma negativa, com o não cumprimento do acordo inicial, negações, atrasos nas sessões e pagamento das mesmas, como forma de trazer a tona os verdadeiros afetos que levaram o analisando ao enquadre analítico trazendo assim elementos necessários para a interpretação e por final terminar na forma de transferência positiva para que se possa elaborar todos aqueles afetos que não permitiam o seu desenvolvimento psíquico e pessoal. Finalizo assim com a concepção analítica de Melanie Klein com relação a transferência, que diz:
“ Sabemos que um dos principais fatores do trabalho analítico é manejar a transferência com rigor e objetividade, de acordo com os fatos, da maneira que nosso conhecimento analítico nos ensinou ser a mais correta. A solução total da transferência é encarada com um dos sinais de que a análise foi concluída de forma satisfatória. Com base nesse princípio, a psicanálise estabeleceu uma série de regras importantes que se mostram necessárias em todos os casos…”.
Conclusão final
Com relação a transferência no atendimento através da videoconferência, o meu estudo busca um entendimento que será possível ocorrer a transferência à partir da primeira sessão. Que Freud chamou de transferência positiva , e que se inicia quando o paciente em busca de atendimento faz um contrato com seu terapeuta no qual acorda, dia, hora e forma de pagamento e a afirmação de que irá transmitir todas as suas questões e história de vida para que se possa chegar ao final do tratamento com todas as elaborações possíveis dentro do set terapêutico. A quebra das condições do contrato inicial, bem como os ataques ao terapeuta que possam vir a ocorrer em função das questões psíquicas, seriam entendidas como uma transferência negativa possibilitando assim a ocorrência de uma terapia realizada dentro dos mesmos moldes da uma terapia presencial, já que utilizando a videoconferência estariam ambos (terapeuta/paciente) face a face e com os mesmos afetos, defesas, negações que ocorrem dentro de uma terapia presencial.
Bibliografia:
Freud S. “ Conferências Introdutórias Parte III” – Vol. XVI – IMAGO 1996.
Klein M. “ Amor Culpa e Reparação” – Simpósio sobre a análise de uma criança – IMAGO – 1996
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O autor de este artigo é Izaura Vale, Psicóloga Perita, Doutorando em Psicologia, membro da equipe do site
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